A África do Sul é um lugar inesquecível e que oferece aos viajantes uma gama de roteiros e atrativos interessantes, como os tradicionais safáris, eletrizantes mergulhos com tubarões brancos, gastronomia sofisticada e, como não poderia deixar de ser, vinhos cada vez melhores.
O país ostenta um título curioso entre os aficionados por vinhos: o velho mundo do Novo Mundo.
Como Velho Mundo entende-se a Europa e os países do Oriente Médio que já produziam vinho antes de Cristo, como Líbano e Turquia. Por sua vez, o Novo Mundo é formado pela América do Sul, América do Norte, Oceania e África.
Séculos antes de se tornar a cidade mais famosa da África do Sul, Cape Town era um rude porto de abastecimento para as longas e sofridas expedições marítimas que, saindo da Europa, lá aportavam para
reparos e reabastecimento dos navios, antes de seguirem viagem às Índias em busca de especiarias. Da mesma forma, os navios lá aportavam em sua trajetória de retorno à Europa. Assim, as vinhas foram levadas cedo à região para que houvesse vinho para fornecer às tripulações e para a crescente população que, cada vez mais, fixava moradia por ali.
Hoje, os vinhos sul-africanos gozam de grande reputação mundial e se tornaram um atrativo turístico de grande importância.
A capital do país é Johanesburgo, mas o turismo na cidade é incipiente.
Todos vão à belíssima Cidade do Cabo. Com paisagens maravilhosas e astral contagiante, a primeira coisa a ser notada é o seu mais vistoso cartão postal, a imponente Table Mountain, situada atrás da cidade.
Partindo de Cape Town, meu primeiro destino foi Stellenboch, a principal região vinícola. Mais do que minha busca pelos vinhos, eu queria conhecer o inovador movimento BLACC CLUB. A entidade no local é fruto da iniciativa de Ian Manley e Aubrey Ngcungama, que investiram no desenvolvimento de sommeliers negros. Os membros se reúnem periodicamente em diferentes vinícolas, que abrem suas portas e preparam degustações especiais para os aprendizes, com a presença de conhecedores de vinho, promovendo interação, conhecimento e grande estímulo aos participantes.
Após uma hora de viagem, parei para visitar a Tokara, um importante produtor de azeites do país.
Tal como uma sofisticada vinícola, com decoração moderna, possui azeites premiados mundialmente e é uma ótima pedida para almoços e degustações, principalmente no fim de semana. E, é claro, pra colocar na mala um excelente azeite de oliva sul-africano.
Defronte a Tokara encontra-se uma vinícola considerada um grande expoente do país, a Delaire Graff. Lá, conheci Tendai Marisa, um sommelier membro do BLACC CLUB que me disse, de forma
simples e sucinta, o que pensa sobre a entidade: “O BLACC é muito importante para o meu desenvolvimento e estou muito feliz trabalhando em uma área na qual os sommeliers negros são minoria”.
Depois de um almoço no restaurante da vinícola, regado a saborosas lições sobre o vinho, paramos para contemplar o belo cenário formado pelos vinhedos de Chardonnay que se estendem até a montanha Botmaskop.
Os primeiros vinhos produzidos na região foram de uvas Moscatel, mas hoje são utilizadas diversas variedades.
Mundialmente, a África do Sul é conhecida principalmente pela uva Pinotage, mas também pelas variedades Chenin Blanc, Sauvignon Blanc e Syrah.
Cabernet Sauvignon é também uma uva bastante utilizada,
principalmente em vinhos de corte (blends). No que diz respeito a espumantes, são conhecidos pela sigla de sua denominação regional: MCC (Method Cap Classique), o “champanhe” da África do Sul.
Seguindo em direção às margens do sul de Stellenbosch, onde as montanhas ficam mais planas e extensos vinhedos e plantações são avistados, paramos pela terceira vez no dia, na vinícola Zevenwach, com seus vinhos leves, refrescantes e fáceis de tomar. O produtor, Jacques Viljoen, ganhou diversos prêmios em 2017 por seu Sauvignon Blanc e rosé. Vinhos rosés não são muito produzidos na África do Sul.
Fechamos a visita com uma harmonização de vinhos com uma surpreendente seleção de ótimos queijos sul-africanos.
Seguindo viagem, cheguei à parada final do dia e a segunda mais importante região vinícola, ainda próxima a Cape Town, Franschhoek.
Charmosa e acolhedora, com um visual estonteante de montanhas que mais se parecem esculturas, a região também abriga vinícolas de destaque, algumas com até 200 anos de tradição, como a Boschendal. A vinícola passou por uma grande renovação e oferece experiências vibrantes em degustações e harmonizações.
Seguindo a rota dos vinhos, a dez minutos do charmoso centro de Franschhoek, chego a meu destino final, o Oldenburg Vineyards. A visão dos arredores é o de um paraíso particular, escondido entre flancos de majestosas montanhas, uma das mais belas paisagens da região. Aqui o cultivo e a produção são artesanais, a partir de uvas mais raras nesta região, como a tinta Mourvèdre. O orgulho da vinícola é o blend tinto Rodium 2015. À noite, me instalei no Villa The Homestead, uma casa de dois andares com adega própria, chef dedicado e um cenário belíssimo de montanhas e vinhedos ao redor.
O que aprendi nesse meu primeiro dia é que o Pinotage é um tinto leve, que, para mim, lembrou um pouco o Syrah. Mas, os vinhos dessa uva podem também ser mais concentrados, mais fáceis e agradar a diversos paladares.
Apesar de as distâncias entre as vinícolas não serem longas, optar por um motorista é um imperativo àqueles que desejam desfrutar ao máximo as experiências enogastronômicas com conforto e segurança, além de otimizar o tempo.
No segundo dia fui conhecer mais uma vinícola apoiadora do movimento BLACC, a Leeu Estates, eleita pelo prêmio World Travel Awards África, o melhor hotel de regiões vinícolas do país. Pelo caminho, o cenário de montanhas se transmuta em visuais de vales, rios e cachoeiras. Paramos na Bosjes Farm, produtores de vinhos exclusivos, alguns disponíveis apenas no próprio restaurante, Bosjes Kombuis, como o espumante MCC Livia’s Laughter, elaborado em homenagem a única filha mulher entre 11 homens da família.
Da Bosjes emendei uma visita a Montpellier, considerada a maior e mais antiga propriedade vinícola da África do Sul. A entrada é feita por uma estrada ladeada por fileiras de eucaliptos, como uma fazenda rústica. Ao chegar, fiquei surpresa ao encontrar os fundadores do BLACC CLUB com um grupo de 20 sommeliers aprendizes e um grupo de conhecedores. Conversando com o criador da entidade, eu disse a ele, entusiasticamente, que outros países, inclusive o Brasil, poderiam se espelhar nesse movimento. Fomos convidados para nos unir ao grupo, um dos momentos mais marcantes da viagem, no qual vi pessoas unidas pela paixão ao vinho, dividindo lado a lado impressões e histórias memoráveis.
No dia seguinte, fomos ao sul das regiões de Stellenboch e Franschhoek, em um local considerado hoje um dos melhores do mundo novo: Hermanus, região muito procurada para avistamento de baleias e cachalotes e para emocionantes mergulhos com tubarões brancos. Quem visita Hermanus e quer explorar as melhores vinícolas deve reservar pelo menos três dias e se hospedar na região, devido à distância da Cidade do Cabo. Optamos por ficar no Mosaic Privet Santuary. Localizada em um ponto estratégico de Hermanus, de frente a um belo lago e a 10 minutos do mar, Mosaic tem visitas organizadas com transfers para ótimas vinícolas, como Hamilton Russell, Creation, Springfointain, Bouchard Finlayson e Villiera. A região encontra-se perto da costa e recebe os ventos do oceano, que influenciam os vinhedos e seus vinhos. Graças ao frescor do clima, as uvas amadurecem gradualmente, resultando em vinhos mais finos. Visitei a vinícola Springfontein, onde o enólogo Tarito criou o primeiro Pinotage branco da África do Sul. Resumo da experiência em Hermanus: muito vinho e muita natureza!
E então fomos aos tradicionais safáris. Não imaginei que essas propriedades, nas quais a prioridade é o serviço de safári, pudessem manter um alto nível na gastronomia e nos vinhos, pelo menos não no mesmo padrão anterior, em que o foco total é a enogastronomia associada a hotelaria de alto padrão. Me surpreendi com excelentes experiências em locais como o Mhondoro, na reserva privada de Welgevonden, o Rhulani em Madikwe e o Camp Jabulani, no famoso parque nacional do Kruger. Todos possuem adegas espetaculares e promovem interações gastronômicas com chefs privados e degustações exclusivas. E, assim, entre pessoas incríveis, cenários encantadores e vinhos maravilhosos, fechamos essa viagem com chave de ouro.