SMART CITIES

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Diferentemente do que muitos pensam, para ressignificar uma cidade e torná-la inteligente não é preciso altos investimentos em tecnologia e nem esperar a chegada do 5G. Partindo de conceitos básicos, a smart city tem foco na qualidade de vida do cidadão e do bom uso que ele faz de suas ferramentas, como hotéis, estradas. É resiliente, sustentável e inclusiva

Cidade inteligente é aquela que proporciona um bom aproveitamento de suas ferramentas, como um hospital, um hotel, um estádio de futebol, uma estrada, um ônibus, oferecendo qualidade para que as pessoas, a sociedade, interaja no seu meio ambiente. “A cidade inteligente é voltada para os cidadãos. Quanto melhor essas ferramentas de vida para o cidadão estiverem conectadas, mais qualidade de vida ele terá”, explica Paulo Mancio, vice-presidente sênior de Design & Implantação da Accor América do Sul. Há 18 anos ele é executivo da companhia que é líder mundial em hotelaria de excelência e há sete comanda quatro grandes áreas, sendo responsável pelo design, arquitetura e construção de todos os hotéis do Grupo na América do Sul, além de uma área de também extrema importância, que é a de sustentabilidade, onde Paulo fez sua conexão com as cidades inteligentes e se tornou um grande porta voz do assunto. O executivo faz parte de alguns conselhos consultivos de outras empresas, dentre elas a maior organização do mundo de sustentabilidade que é o Green Building Council, onde ele é conselheiro diretor no Brasil.

E se você tinha um conceito diferente de smart city, de algo supertecnológico e que ainda estava longe de ser aplicado no Brasil já que ainda aguardamos a chegada do 5G, esqueça! Segundo Mancio, não é preciso pensar em algo muito fora da nossa realidade.

Os grandes pilares das cidades inteligentes são muito básicos, inteligentes e focados. “O primeiro grande pilar é o foco nas pessoas que ali residem, no cidadão, em como ele vai viver ali, como vai se comunicar, se transportar, interagir com aquela cidade. E, para tanto, ser saudável, inclusiva, simples (não simplória), resiliente, sustentável, são pilares fundamentais para a vida dentro de uma comunidade, de uma cidade inteligente”, explica.

Claro, que não temos dúvidas que a chegada do 5G vai impactar positivamente esse movimento, principalmente para a intercomunicação, que é fundamental dentro das cidades inteligentes. Hospitais, hotéis, pedágios, quanto mais tiverem uma comunicação integrada, mais fácil será de utilizá-los.

“Mas, não podemos focar apenas nisso e esquecer que a cidade inteligente parte de conceitos muito básicos para conceitos mais avançados. É claro que a chegada do 5G vai contribuir, mas a gente começa a falar de infraestrutura de coisas básicas, depois a gente vai começar a falar dele”, ensina Paulo Mancio.

Um exemplo: “Se tivermos uma boa infraestrutura no home banking que nos faça deixar de pegar o carro, enfrentar trânsito e poluir o ambiente para ir ao banco pagar uma conta, podendo pagar on-line, pelo celular, através de uma boa conexão, isso é básico, simples e inteligente”, diz.

PAULO MANCIO
VICE-PRESIDENTE SÊNIOR DE DESIGN & IMPLANTAÇÃO DA ACCOR AMÉRICA DO SUL

Ressignificando as cidades

Por tudo isso, é fundamental que o primeiro passo seja um masterplan. “É muito mais fácil e muito mais econômico em termos de investimentos, primeiro pensar num projeto, pensar em uma cidade, um bairro, em como as pessoas vão se locomover, como vão interagir, como vão realmente habitar aquela cidade, para depois executar. Você ter que refazer uma calçada, refazer uma rua, sairá muito mais caro”, diz Paulo. No caso de São Paulo que não nasceu inteligente e sempre foi muito caótica, Paulo explica que sua aptidão pela inovação fez com que ela fosse se ressignificando e reorganizando
para chegar lá. “São Paulo hoje é a locomotiva de inovação da América do Sul. Sem entrar no juízo de valores, se você olhar hoje para um vértice da cidade, como as avenidas Juscelino Kubitschek, a Paulista ou a Faria Lima, elas conseguem trazer elementos muito interessantes dessa nova comunicação. A Faria Lima é, de uma certa forma, hoje, a Brickell de Miami. Ela reúne os pontos financeiros da cidade, no final do dia há uma turma fazendo corrida, outra no happy hour. Não tem elemento básico mais inteligente do que isso, unir a qualidade de vida, a saúde, o lazer e o trabalho.

A união desses elementos de forma a facilitar a nossa vida é muito interessante”, explica Mancio. E para que ocorra essa ressignificação da cidade, Quanto maior a quantidade de stakeholders envolvidos melhor, e não apenas na decisão, mas na concepção daquela ideia, no planejamento daquele local. “Não existe nada mais inteligente do que termos empresas, ONGs, governos, sobretudo cidadãos, envolvidos na reflexão sobre a cidade, sobre uma ideia, por mais que ocorram discussões, deliberações. E o melhor envolvimento é durante o projeto, o planejamento, porque aí as coisas ficam mais fáceis, as pessoas sentem-se parte daquele, daquela decisão que foi tomada”, diz Paulo Mancio.

Hospitalidade positiva e negócio sustentável

A hotelaria e urbanismo se cruzam a todos os momentos e ela é uma das ferramentas da sociedade que tem um papel importante em uma comunidade inteligente. Portanto, deve atuar de forma contributiva dentro dessa sociedade, oferecendo serviços, informação, colaborando para as pessoas tenham uma boa orientação. “Um serviço bem feito dentro do hotel não é apenas oferecer um teatro, mas pode orientar o hóspede aonde é o hospital, o posto médico, a delegacia, o supermercado mais próximo. Tudo isso é interligado e esse é o conceito básico da cidade inteligente, ser mais comunicada, trabalhar em prol da sociedade, facilitando a vida do cidadão”, explica o executivo da Accor que também relembra o papel da hotelaria nesse contexto. “Além de servir a cidade, gosto sempre de lembrar que a hotelaria atua, principalmente, no acolhimento das pessoas, as protegendo, dando tranquilidade, garantindo uma boa noite de sono”, diz.

Defensor do “design funcional”, Paulo explica que o termo não está apenas ligado aos preceitos estéticos, mas muito mais operacionais, da funcionalidade das coisas, que são fundamentais para o bom desenho. “Não é apenas o design de uma cadeira, uma mesa ou objeto, o design de um prédio, de uma praça, de uma rua. Está ligado ao modo como as pessoas vão usar isso, a funcionalidade, como eles contribuem para o bom funcionamento da vida do cidadão. Então, eu não tenho a menor dúvida de que esse é o nosso conceito de design na Accor. Ele é, pode e deve contribuir e muito para a boa qualidade das cidades inteligentes”, ensina.

É fundamental que uma empresa tenha investimentos dentro dos pilares da sustentabilidade, mas Mancio chama atenção que esse olhar não deve ser somente para os recursos naturais, mas também para os recursos do negócio, econômicos. “Não existe melhor projeto do que aquele onde a gente tenha a sustentabilidade econômica colocada em primeiro lugar. Se não existe sustentabilidade econômica, você pode ter todos os outros demais pilares e você não vai conseguir atingir o objetivo do negócio”, ensina.

Esse é o pontapé inicial, depois, os demais, serão usados de forma inteligente, conjugada. “Hoje existem vários fundos de investimentos internacionais e nacionais que buscam projetos que já tenham pilares de sustentabilidade absolutamente bem colocados. E por quê? Porque a gente tem que cuidar do futuro do planeta, não adianta nada a gente detonar o planeta e ter um projeto econômico viável, se ele tá destruindo o planeta, se você não consegue integrar ele naquela cidade, se as pessoas não conseguem utilizá-lo de forma fácil e você não consegue se utilizar de uma forma dentro dos conceitos de uma cidade inteligente”, ensina o executivo.

A Accor age para uma hospitalidade positiva com seu programa sólido de sustentabilidade, o Planet 21, que tem objetivos ambiciosos articulados em quatro eixos estratégicos: agir com seus colaboradores, envolver seus clientes, inovar em conjunto com seus parceiros e agir com as comunidades locais. Os conceitos de sustentabilidade do Grupo são aplicados em todos os hotéis. “A mais de vinte anos temos um trabalho muito sério na área de sustentabilidade, nos pilares que cuidam dos recursos naturais na Accor e isso tem um impacto fundamental não apenas na comunidade, na cidade, como em todo o planeta. Dentre alguns exemplos, vou citar que há um trabalho de quinze anos de economia no gasto de água através do sistema de acionamento em dois botões no vaso sanitário, onde para líquidos nós utilizamos três litros e para sólidos usamos seis litros. Isso propõe uma economia de até 30% do consumo de água. Conjugado a isso, outro exemplo são nossos dois sistemas de drenagem de saída dos esgotos. Um deles não contém sólidos, somente águas captadas no ralo do chuveiro e da pia e, com uma superfiltragem, podemos reutilizar essas águas no vaso sanitário, gerando mais uma grande redução de consumo de água, uma economia de 25%”, relata Paulo.

Ele também cita que a empresa foi a primeira a se preocupar com a quantidade de consumo do ar condicionado, visto que têm hotéis no Brasil, um país tropical. “Temos vários hotéis em cidades como, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, que no verão, não é difícil ter uma temperatura muito próxima dos quarenta graus, em uma época onde se chove muito, ou seja, o nível de umidade é muito alto e a sensação térmica é muito quente, o que faz aumentar o uso de ar condicionado pelas pessoas.

Por isso, é muito importante ter um ar condicionado eficiente, com consumo de energia inteligente. Nos nossos hotéis, trabalhamos com aparelhos automatizados com controle de demanda conforme a temperatura cai ou aumenta, bem como com a presença do hóspede no local”, diz Paulo. O Grupo Accor também investe em materiais de concepção ecológica nos quartos, painéis solares, armazenamento de água da chuva, horta orgânica e outros projetos em seus hotéis no mundo todo. Ele poderia dar mais de 30 exemplos de projetos sustentáveis da empresa, mas citando esses já dá para compreender o impacto no planeta, nas cidades onde eles estão e na sociedade. E, sim, é possível gerar riqueza sendo ecologicamente correto.