Bahia, Ilhabela, Europa: cabe o mundo na ousada cozinha caiçara do chef Tonhão, no litoral norte paulista -Por Carlos Eduardo de Oliveira
Muito pouca gente conhece Antônio Santos Ferreira em Ilhabela. Mas pergunte pelo Tonhão e até crianças indicam o caminho da felicidade: o restaurante que leva seu nome. Esplendidamente localizado em uma galeria no centro histórico, ao lado da igreja Nossa Senhora da Ajuda e Bom Sucesso (a matriz), o Atelier do Tonhão é uma casa pequena, bem decorada, que exala alegria e calor humano.
Sua cozinha é delicada, despretensiosa, caiçara, com ousados sabores mediterrâneos valorizando os ingredientes locais e a pesca fresquíssima. Apresentação esmerada, olhar atento ao contemporâneo. Uma das grandes mesas da ilha, unanimidade entre a fiel clientela. Aliás, ele próprio, carisma que só, também é unanimidade, a ponto de assinar a festiva paella oficial do Festival do Camarão, evento seminal no calendário da pequena cidade litorânea.
Mas seu trilhar, com direito a passaporte carimbado em consagradas cozinhas europeias, não foi lá exatamente um mar de rosas.
Criado em família humilde em Ibirataia, a 340 quilômetros de Salvador, logo cedo Tonhão percebeu que a cidade era pequena demais para suas pretensões profissionais. Desde os 11 anos de idade envolvido com cozinha e comidas, aos 14 o rapaz já assinava um cardápio de lanches que ele mesmo fazia e vendia para ajudar a família. Fã de artes marciais e de futebol (é torcedor do Vitória), por essa época, bateu-lhe a certeza: queria mesmo era se entregar ao universo das panelas.
Assim, em 1984, aos 17 anos, foi (sozinho) tentar a sorte em São Paulo – acabou parando em Ilhabela. “Não conhecia, não tinha noção da beleza, mas fui acolhido por um amigo que já morava aqui e gostei muito”, afirma Tonhão. E de lá não mais saiu. Ou quase. Na ilha, a cozinha do hotel Petit Village foi seu batismo de fogo – quando trocou o cargo de gerente de alimentos.
O passo seguinte foi decisivo: Tonhão praticamente pediu para entrar para o time do restaurante Deck, então a grande mesa na cidade. “Gosto de drinques, de coquetelaria, então comecei no bar. O Deck foi uma grande escola, aprendi muito, colocamos a cozinha do restaurante num patamar alto”. Entre idas e vindas, foram muitos anos como titular da cozinha da casa, com a qual Tonhão diz ter uma “dívida de gratidão”. Paralelamente, o chef se aprimorava através de cursos no Senac de Águas da Prata (SP) e de temporadas no badalado Hotel Transamérica, na Costa do Sauipe (BA).
Foi quando sua inquietude começou a se manifestar. “Sentia necessidade de sair, de ampliar meus horizontes”, lembra. Após uma passagem por Holambra (SP), lar da colônia holandesa no Brasil, Tonhão recebeu um convite para trabalhar em Amsterdam. Antes, passou por Paris, recebido por um amigo. Logo estava na Provence, onde realizou testes em três restaurantes, sendo aprovado em todos. Cumprido o compromisso em Amsterdam, voltou à Provence, para um contrato de um ano – acabou ficando mais de uma década. “Assinei um contrato de tempo indeterminado”, conta rindo. “No fim das contas, terminei como chef geral de brasserie. Nas horas vagas, estudava francês, que hoje é minha segunda língua”, diz. A carreira na França foi longe, tendo ainda passagens pela cozinha de um hotel em Maussane, e pelo La Maison Jaune (“A Casa Amarela”), elogiada mesa da Provence, dona de uma estrela no Guia Michelin. Sem falar no estágio com ninguém menos que o chef catalão Ferran Adrià, em Barcelona. “O que me marcou muito na França foi o reconhecimento pelo trabalho. Lá isso é uma coisa muito séria”, avalia.
Ainda que os convites do Velho Mundo continuem chegando (ao menos, até antes da pandemia), Ilhabela é o porto seguro do chef Tonhão, que se auto-intitula seguidor fiel dos princípios de Alain Ducasse, a lenda da gastronomia francesa. Mas a seu jeito, simples, contemporâneo pé-na-areia. “No fundo, minha cozinha é comida caiçara. Com toques mediterrâneos e leitura contemporânea, mas essencialmente caiçara”, diz. Que continue assim.
Espaço Tangará
Em Ilhabela, a paradisíaca praia do Jabaquara é a última da face norte aonde se chega de carro. É lá, literalmente na praia, que funciona o Espaço Tangará, outra imperdível face culinária do chef Tonhão. Lounge caiçara é uma boa definição: ambiente descontraído e agradável, deck debruçado sobre a areia, serviço de espreguiçadeiras, guarda-sóis e duchas, esmerada carta de drinques e coquetéis. O menu, mais simples que o do Atelier do Tonhão, valoriza principalmente comidinhas, porções e risotos “al mare”. Dica importante: não esqueça o repelente.