Charutos: uma experiência sensorial

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Com uma abordagem inovadora na harmonização de charutos com gastronomia, Marcelo Gimenez, criador do Rei do Charuto Club revela como tem sido sua empreitada nessa área

Fumar um charuto é mais do que acender um pedaço de tabaco, é adentrar um universo sensorial onde o aroma, o sabor e o tempo se fundem num instante irrepetível. O primeiro sopro de fumaça que parece dançar no ar, o sabor que se desenvolve de forma cadenciada. 

Tudo isso transforma o ato de fumar em um ritual quase poético. Mas e se tudo isso fosse aliado a uma experiência gastronômica? Foi com essa abordagem inovadora que Marcelo Gimenez começou a empreender. Em fevereiro de 2023, após reunir um grupo de 16 colegas para fumar charutos num restaurante em São Paulo, Marcelo percebeu que ali era uma espécie de confraria – nos bate-papos, muitas experiências foram trocadas sobre gastronomia, bebida, viagens, que no fim, envolviam uma paixão em comum, os charutos.

Entre 2014 e 2015, Marcelo, que sempre gostou de gastronomia, se dedicou a estudar e entender sobre degustação e harmonização de charutos. E era comum compartilhar suas experiências no Instagram pessoal e com os amigos. Desde os melhores locais para apreciá-los, as melhores bebidas para acompanhar o ritual e com quais pratos harmonizar, Marce lo, um exímio conhecedor do universo dos charutos, compartilhava suas dicas de forma despretensiosa, até que viu nesse mercado uma possibilidade de empreender, unindo a força da comunidade e a conexão de pessoas com os negócios. 

Uma confraria de apreciadores 

Sommelier de charutos, Marcelo é especialista em sua harmonização durante a refeição, e não apenas depois, como é mais comum. Segundo ele, “a paleta de aromas e degustação do charuto é muito similar à do vinho, permitindo que a comida eleve o sabor do charuto e vice-versa.” Ele ensina que a unificação de comida, bebida e charuto cria uma “explosão de aromas e sabores” e uma elevação sensorial que, segundo ele, poucos no Brasil e no mundo exploram.

Marcelo Gimenez, criador do Rei do Charuto Club

Com suas postagens no Instagram, Marcelo se tornou uma referência, um “influenciador” na área. E ao enxergar que podia ajudar os colegas que queriam se aprofundar mais nesse universo, ele criou o Rei do Charuto Club, que nasceu com foco em lifestyle, para dar dicas sobre charutos, comidas, bebidas, passeios, viagens, proporcionando uma experiência sensorial aos seus membros. 

Com sua curadoria, os membros (chamados “confrades”) têm acesso a um verdadeiro guia sobre charutos: ficam sabendo dos lançamentos, têm dicas de harmonizações e dos melhores locais para apreciar essa combinação de charutos com bebidas e gastronomia. Tudo é compartilhado em um grupo de WhatsApp (com 2.500 membros), um Instagram (que já passa de 13 mil seguidores) e um site, que conta com blog e e-commerce. 

A entrada requer um cadastro básico onde é solicitado o preenchimento de uma ficha para análise do membro. Segundo Marcelo, o objetivo é garantir que os interessados compartilhem o mesmo propósito, e evitar a entrada de vendedores ou pessoas que possam conturbar o grupo.

Discussões sobre política, religião e futebol são proibidas. “Realizamos encontros em restaurantes onde os membros do Club serão bem recebidos. Esses locais contam com áreas externas para fumar os charutos nas mesas, enquanto apreciamos a refeição, como o Urus, em São Paulo”, explica Marcelo. 

Além disso, quem faz parte do Club têm aces so à eventos privados para conexões de negócios, em que os confrades podem trocar experiências,  fazer networking, enquanto apreciam seus charutos. “Criamos um hub de negócios, onde fazemos eventos para promover as empresas do grupo e a conexão entre os confrades, e um hub de solidariedade, para arrecadarmos ajuda para instituições de caridade”, conta. 

Muitos eventos contam com degustações, patrocínios de marcas de luxo e sorteios. E são abertos para que os confrades levem suas companheiras(os). 

Gastronomia, bebidas e charutos criar a experiência sensorial recomendada por Gimenez

De curadoria à marca própria

Marcelo faz questão de frisar que, cada lançamento passa por análise criteriosa para garantir qualidade e valor para os confrades. “Procuro sempre analisar se vale a pena a experiência. Todos confiam muito em mim como uma referência para que eles possam degustar algo de qualidade”. Nosso blog é muito bem-conceituado inclusive sendo utilizado não somente por quem é do universo do charuto, mas também pela população em geral que busca boas referências de locais para comer e beber, conta. 

Com o tempo, os confrades passaram a pedir que Marcelo também comercializasse charutos, facilitando as compras relacionadas às suas indicações. O empresário, mais uma vez inovou: criou packs de degustação (semelhantes aos samples americanos), que são pacotes com quatro ou cinco charutos selecionados e aprovados por ele, oferecidos a um preço diferenciado para os membros.

O passo seguinte foi a criação de sua marca própria, a The King of Cigar, com charutos produzidos em Cruz das Almas, no recôncavo baiano, região reconhecida pela alta qualidade do tabaco, utilizado globalmente por marcas renomadas. É lá que está a primeira fábrica de charutos do país, a centenária Dannemann, em São Félix, fundada em 1873. “O Brasil é um dos países que produzem charutos de qualidade superior. Países da América do Sul e Central usam o terroir brasileiro para criar blends”, explica Marcelo. Os charutos The King of Cigar contam com uma composição única de variedades de tabaco selecionadas, encontradas apenas em terras do Brasil. Lançamos três blends próprios, utilizando sementes cubanas adaptadas e plantadas no Brasil. 

Os charutos são torcidos com blends que incluem Corojo, Havana 2000, Crioulo e tabaco brasileiro da Mata Fina e Mata Norte. São sabores ricos e equilibrados do tabaco do Brasil, buscando uma identidade per sonalizada”, conta. A marca é 100% brasileira com alma cubana, como ele mesmo define.

Um mercado em ascensão

Não é de hoje que os charutos fazem sucesso, principalmente os Habanos, de Cuba, considerados os melhores do mundo. Mas, o mercado global de charutos vem registrando uma ascensão notável. Estimado em US$ 29,21 bilhões em 2023, está projetado para atingir US$ 35,10 bilhões até 2030, crescendo a um CAGR de 2,7% de 2024 a 2030.

Marcelo explica que há uma distinção importante. “Os charutos puros Habanos são feitos com tabaco plantado nas regiões específicas de Pinar del Río e Laguito, em Cuba. Já os charutos cubanos são feitos em Cuba, mas com tabaco plantado fora dessas regiões, geralmente de qualidade inferior. Portanto, todos os Habanos são cubanos, mas nem todo charuto cubano é um Habano”, ensina. No universo dos habanos, são referência marcas como Montecristo, Partagas, Romeo y Julieta e Cohiba.

A The King of Cigar lançou três blends próprios, com sementes cubanas adaptadas e tabaco brasileiro da Mata Fina e da Mata Nort

Segundo Marcelo, o preço dos charutos Haba nos subiu drasticamente, com sua produção sendo direcionada quase 100% para a China, resultando em escassez no mundo todo. Hoje, o país número 1 na produção de charutos é a Nicarágua, que produz 27 das 70 marcas comercializadas globalmente. Além do Brasil, outros países grandes produtores são República Dominicana e Honduras. 

Segundo a Cigar Consulting, há atualmente 13 marcas produzidas no Brasil. No site do Rei do Charuto, Marcelo divide as marcas em Cuba e off Cuba. E embora respeite a qualidade superior de certos Habanos, a qual destaca o Cohiba Behike com 99 pontos, ele é um grande admirador dos off Cuba e argumenta que eles oferecem “uma expansão de aromas e sabores muito maior e uma experiência sensorial mais elevada devido à variedade de blends e tabacos de diferentes origens, enquanto os Habanos, devido à restrição do terroir, tendem a ter uma identidade de sabor mais parecida entre as marcas.

O luxo da experiência

A história do Rei do Charuto Club exemplifica a tendência contemporânea: o luxo autêntico não se impõe por preço, mas convida por experiência. “O que realmente importa é a experiência que a pessoa terá ao fumar seu charuto, ao fazer uma degustação de um charuto acompanhada de uma bebida harmonizada, de uma boa comida”, explica. 

Segundo Marcelo, ao contrário da percepção comum de relacionar os charutos ao mercado de luxo, “muitas marcas hoje custam menos de R$ 50,00, permitindo que apreciadores façam combinações refinadas gastando tanto quanto gastariam numa dose de whisky bem escolhida”. O verdadeiro luxo está na fumaça que se dissolve lentamente, no diálogo entre os sabores e, sobretudo, na companhia com quem se compartilha esse ritual.

Por Luciana Albuquerque